domingo, 20 de julho de 2008

CARTA DE DEUS


Tenho algumas questões que acho que você seria a pessoa certa a quem eu deveria perguntar. Algumas vezes é difícil ficar sentado aqui em cima, no céu, sem ninguém para conversar. Digo conversar realmente. Sempre posso conversar com os anjos, certamente, mas desde que eles não têm vontade própria, e desde que criei cada pensamento em suas mentes submissas, eles não são interlocutores muito interessantes.Claro, posso conversar com meu filho Jesus, e com a "terceira pessoa" da nossa trindade sagrada, o Espírito Santo, mas desde que nós somos todos os mesmos, não há nada que possamos aprender um com o outro. Não existem compartimentos bem divididos na cabeça de Deus. Nós não podemos, por exemplo, jogar xadrez. Jesus algumas vezes me chama de "Pai", e isso faz com que me sinta bem, mas desde que ele e eu somos da mesma idade e temos os mesmos poderes, isso não significa muita coisa.Você é uma pessoa instruída, que tem estudado a filosofia e as religiões pelo mundo afora. Isso faz com que tenha a qualificação necessária para entrar numa discussão com alguém do meu nível. Não é que eu não possa falar com qualquer pessoa como, por exemplo, os ignorantes que dizem acreditar em mim, que enchem as igrejas e me adulam com súplicas infindáveis. Sabe como é: algumas vezes nós todos ansiamos interagir com um respeitável colega. Você tem lido os sábios. Tem escrito artigos e publicado livros sobre mim, e me conhece melhor do que qualquer outra pessoa.Pode lhe causar surpresa saber que eu tenho algumas perguntas a fazer. Não, não são questões de retórica, baseadas em ensinamentos de lições espirituais, mas algo real, perguntas honestas de Deus. Isso não deve lhe deixar chocado porque, afinal de contas, criei você à minha imagem. Seus questionamentos são uma herança minha. Você diria que amor, por exemplo, é um reflexo de minha natureza dentro de você, não diria? Desde que questionamentos são saudáveis, eles também vêm de mim.Alguém uma vez disse que nós devemos provar todas as coisas, e segurar rapidamente o que é bom. Minha primeira questão é: DE ONDE VIM?Eu me descobri sentado aqui em cima, no céu. Olhei ao redor e notei que não há nada mais, além de mim mesmo e das coisas que criei. Não vejo outras criaturas competindo comigo, nem noto nada acima de mim mesmo, que possa ter me criado, a menos que esteja brincando de esconde-esconde. Em cada evento, tanto quanto sei (e suponho que conheço tudo), não há nada mais além de mim (nas três pessoas) e das minhas criações. Eu sempre existi, você diz. Não criei a mim mesmo, porque se tivesse feito isso, então seria maior do que eu próprio.Então de onde vim?Sei que você também tem esse mesmo questionamento, considerando sua própria existência. Você observa que a natureza, especialmente a mente humana, mostra evidências de um intrincado projeto. Você nunca considerou tal criação independente de um criador. Você argumenta que os seres humanos devem ter tido um criador, e com relação a esse fato, não terá nenhuma discordância da minha parte.Então, o que me diz de mim? Do mesmo modo que você, eu observo que minha mente é complexa e intrincada. É muito mais complexa do que sua mente, pois de outra maneira eu não poderia ter criado sua mente. Minha personalidade mostra evidências de organização e propósito. Algumas vezes me surpreendo com a minha sabedoria. Se você pensa que sua existência é a evidência de um criador, o que você pensa da minha existência? Eu não sou maravilhoso? Eu não funciono de uma maneira ordenada? Minha mente não é uma confusão aleatória de pensamentos desconectados. Ela mostra o que você chamaria de evidências de criação. Se você precisa de um criador, então porque eu não preciso?Você deve pensar que fazer tal pergunta é uma blasfêmia, mas pra mim não existe tal crime. Posso fazer qualquer pergunta que quiser, e acho que essa é uma pergunta relevante. Se você diz que tudo precisa de um criador, e depois diz que nem tudo (Eu) precisa de um criador, não está se contradizendo? Deixando-me fora do argumento, não está trazendo sua conclusão para dentro do seu argumento? Isso não é raciocínio circular? Não estou dizendo que discordo de sua conclusão. Como poderia eu? Estou apenas imaginando porque é certo para você inferir um criador, enquanto para mim não é.Se você diz que não preciso perguntar de onde vim porque sou perfeito e onisciente, enquanto os humanos são falhos, então você não precisa do argumento da criação de nenhuma maneira, não é mesmo? Você já assumiu que eu existo. Pode fazer tal suposição, certamente, e eu não lhe negaria essa liberdade. Esse argumento circular, a priori, pode ser de grande auxílio e bastante reconfortante para você, mas isso não me faz nenhum bem. Não me ajuda a descobrir de onde eu vim.Você diz que eu sempre existi, e suponho que não lhe faria nenhuma objeção se soubesse o que isso significa. É difícil para mim conceber a existência eterna. Simplesmente não posso fazer minha imaginação voltar tão longe. Me tomaria toda a eternidade voltar atrás na eternidade, deixando-me sem tempo para fazer outras coisas, de tal maneira que é impossível para mim confirmar se sempre existi. E mesmo que isso fosse verdade, por que ser eterno é melhor que ser temporal? É um grande sermão melhor que um pequeno sermão? O que significa "melhor"? As pessoas gordas são melhores que as magras, ou os velhos melhores que os novos?Você pensa que é importante que eu tenha sempre existido. Vou aceitar o que você diz, por enquanto. Minha pergunta não é sobre a duração da minha existência, mas sobre a origem da minha existência. Não sei como o fato de ser eterno resolve o problema. Ainda quero saber de onde vim.Só consigo imaginar uma possível resposta, e gostaria de saber qual seria sua reação a ela. Sei que eu existo. Sei que eu não poderia ter criado a mim mesmo. Também sei que não existe nada maior que Deus que pudesse ter me criado. Desde que não pude procurar acima de mim mesmo, então talvez deva procurar abaixo de mim mesmo por um criador. Talvez – isso é especulação, então me perdoe – talvez você tenha me criado.Não fique chocado. Estou apenas querendo lisonjear você. Desde que contenho evidências de criação, e desde que não vejo nenhum outro lugar onde tal criação possa ter se originado, sou forçado a procurar por um criador, ou criadores, na própria natureza. Você é parte da natureza. Você é inteligente – isso é o que seus leitores dizem. Por que eu não deveria encontrar a resposta para minha questão em você? Me ajude com relação a isso.Com certeza se você me fez, eu não poderia tê-lo feito, eu penso. A razão que me faz pensar que eu o fiz é porque você me fez pensar que eu criei você. Você tem dito freqüentemente que um criador pode colocar pensamentos na sua cabeça. Então não seria também possível que você tivesse colocado pensamentos em minha cabeça, e agora aqui estamos nós dois, imaginando de onde viemos?Alguns de vocês têm dito que as respostas para essas questões são um mistério, de tal forma que somente Deus entende. Bem, muito obrigado. O elogio pára aqui. Por um lado você usa a lógica para tentar provar minha existência, mas por outro lado, quando a lógica chega a um beco sem saída, você a abandona e invoca a "fé" e o "mistério". Essas palavras podem ser de grande utilidade para você, como repositório para fatos ou verdades, mas elas não traduzem nada significativo, tanto quanto eu entendo. Você pode fingir que a palavra "mistério" significa algo terrivelmente importante, mas para mim ela simplesmente significa que você não sabe de nada.Alguns de vocês garantem que eu não "vim" de lugar nenhum. Apenas existo. Contudo, já ouvi você afirmar que nada vem do nada. Você não pode ter as duas coisas. Ou eu existo ou não existo. O que causou minha existência, em oposição a não existir de maneira nenhuma? Se não preciso de uma causa, por que você precisa? Desde que não me satisfaço em dizer que isso é um mistério, devo aceitar a única explicação que faz sentindo. Você me criou.Não é uma idéia terrível? Sei que você pensa que muitos outros deuses foram criados pelos humanos: Zeus, Thor, Mercúrio, Elvis. Você reconhece que tais deidades originaram-se nos desejos humanos, na necessidade ou no medo. Se as crenças abençoadas daqueles bilhões de indivíduos podem ser consideradas como produtos da cultura, então por que as suas também não podem? Os persas criaram Mitra, os judeus criaram Yahweh, e você me criou. Se eu estiver errado sobre isso, por favor corrija-me.Minha segunda pergunta é: PARA QUE TUDO ISSO?Talvez eu me fiz, talvez outro deus me fez, talvez você tenha me feito – deixemos isso de lado por agora. Eu estou aqui nesse momento. Por que estou aqui? Muitos de vocês me procuram como principal propósito na vida, e tenho freqüentemente declarado que seu propósito na vida é me agradar (Leia Apocalipse 4:11). Se seu propósito é me agradar, qual é meu propósito? Agradar a mim mesmo? É tudo que há na vida?Se existo para meu próprio prazer, então isso é egoísmo. Faz parecer como se eu tivesse criado você meramente para ter alguns brinquedos vivos com os quais brincar. Não existe nenhum princípio que eu possa respeitar? Alguma coisa para admirar, adorar, e venerar? Estou condenado, por toda a eternidade, a ficar sentado aqui e a me divertir com a adoração dos outros? Ou para adorar a mim mesmo? Afinal de contas, qual é o objetivo de tudo isso?Tenho lido seus artigos sobre o significado da vida e, não me compreenda mal, eles só fazem sentido no contexto teológico de metas religiosas humanas, já que não têm muita aplicabilidade no mundo real. Muitos de vocês sentem que seus propósitos em vida é atingir a perfeição. Desde que vocês, humanos, caem no curto caminho da perfeição, como você mesmo admitiu (e eu concordo), então o auto-aperfeiçoamento proporciona a você uma busca. Ela dá a você alguma coisa para fazer. Algum dia você espera ser tão perfeito como você pensa que eu sou. Mas desde que já sou perfeito, por definição, então não preciso de tal propósito. Estou apenas exposto à amostra, eu acho.Além disso, ainda fico admirado porque estou aqui. É bom existir. É ótimo ser perfeito. Mas isso não me deixa nada para fazer. Criei o universo com todos os tipos de leis naturais que governam tudo, dos quarks até os aglomerados de galáxias, e isso tudo funciona bem por si só. Tive que fazer essas leis, porque, de outra maneira, teria que me envolver com uma grande quantidade de trabalhos repetitivos, tais como puxar raios de luz através do espaço, jogar objetos sobre a Terra, grudar átomos, para juntos formarem moléculas, e um trilhão de outras tarefas aborrecidas que servem mais para um escravo do que para um mestre. Vocês descobriram a maior parte dessas leis, e devem estar a ponto de montar todo o quebra-cabeça. Uma vez que tenham feito isso, saberão o que eu sei: que não há nada no universo para eu fazer. É aborrecido aqui em cima.Eu poderia criar mais universos e mais leis, mas para que? Já fiz o universo. Criação é como espirrar ou escrever contos; simplesmente saem de mim. Eu poderia seguir numa orgia de criações. Criar, criar, criar. Depois de certo tempo, uma pessoa fica doente de tanto repetir a mesma coisa, como quando você come uma caixa cheinha de chocolates e descobre que o último pedaço não tem um gosto tão bom quanto o primeiro. Uma vez que você tenha tido dez filhos, por que ter vinte (estou perguntando a você, não ao Papa)? Se mais é melhor, então sou obrigado a continuar, até ter procriado um número infinito de crianças, e um número sem fim de universos. Se devo forçar a mim mesmo, então sou um escravo.Muitos de vocês asseguram que é inapropriado procurar propósito dentro de si mesmo. Que isso deve vir de fora. Sinto do mesmo jeito. Não posso meramente associar propósito a mim mesmo. Se fizesse isso, então teria de procurar minhas razões. Teria de inventar uma explicação de porque escolhi um propósito ao invés de outro e, se tais razões vêm de dentro de mim, eu seria apanhado num círculo fechado de racionalizações auto-justificadas. Desde que não tenha nenhum Poder Superior a mim mesmo, então não tenho propósito. Nada por que viver. É tudo sem sentido.Com certeza posso dar significado a você – agradando-me, alcançando perfeição, seja lá o que for – e talvez isso seja tudo o que lhe concerne. Mas não lhe incomoda, pelo menos um pouquinho, que a fonte de significado para sua vida não tenha nenhuma fonte de significado em si mesma? E se isso é verdade, então não é também verdade que no final você não tenha nenhum significado em si mesmo também? Se faz você feliz pedir um ponto de referência externo no qual pendurar seu propósito, por que você negaria a mim a mesma coisa? Eu também quero ser feliz, e quero descobrir a felicidade em alguma coisa fora de mim mesmo. Isso é pecado?Por outro lado, se pensam que eu tenho o direito e a liberdade de encontrar felicidade em mim mesmo e nas coisas que eu criei, então por que você não deveria ter o mesmo direito? Você, a quem eu criei à minha imagem?Sei que alguns de vocês têm proposto soluções para esse problema. Se chama "amor". Pensam que estou solitário aqui em cima, e que criei os seres humanos para satisfazer minha ânsia por um relacionamento com alguma coisa que não seja eu mesmo. Com certeza isso nunca funcionaria, porque é impossível para mim criar alguma coisa que não seja parte de mim mesmo, mas vamos supor que eu tivesse feito isso de qualquer maneira. Vamos dizer que criei esse mecanismo chamado "livre arbítrio", o qual concede aos humanos uma escolha. Se dou a você a liberdade (embora isso esteja deturpando a palavra, porque não há nada que escape ao meu poder) de não me amar, então se alguns de vocês, alguns poucos, mesmo um de vocês, escolhe me amar, ganhei alguma coisa que poderia não ter tido. Ganhei um relacionamento com alguém que poderia ter escolhido diferente. Isso é chamado de amor, você diz.Essa é uma grande idéia, no papel. Na vida real, contudo, isso manda embora milhões, bilhões de pessoas que tenham escolhido não me amar, e tenho que fazer alguma coisa com esses infiéis. Não posso simplesmente descriá-los. Se simplesmente destruo todos os descrentes, posso muito bem criar somente crentes a princípio. Desde que sou onisciente, saberia com antecedência quais das minhas criaturas teriam uma tendência de me escolher, e isso não produziria nenhum conflito com o livre arbítrio, desde que aqueles que não me escolhessem tivessem sido eliminados, simplesmente não tendo sido criados inicialmente (poderíamos chamar isso de Seleção Sobrenatural). Parece muito mais misericordioso de que o inferno.Você não pode ter um relacionamento amoroso com alguém que não é igual a você. Se vocês humanos não têm uma alma eterna garantida, como ocorre comigo, então vocês são sem valor como companheiros. Se não posso respeitar seu direito de existir independentemente, e seu direito de escolher alguma coisa que não seja eu, então não poderia amar aqueles de vocês que realmente me escolheram. Teria de encontrar um lugar para aqueles bilhões de almas eternas que me rejeitaram, seja lá por qual razão possa ser. Vamos chamar isso "inferno", um lugar que é não-Deus, não-eu. Teria que criar esse inferno, senão nem eu nem os descrentes poderíamos escapar um do outro. Vamos ignorar o problema técnico de como poderia ser concretizada a criação do inferno, para depois separá-lo de mim mesmo, aparte de quem nada mais existe (Não é como pensar que eu poderia criar alguma coisa e então simplesmente jogá-la fora – não há nenhuma pilha de lixo cósmico). O ponto é que desde que sou supostamente perfeito, esse lugar de exílio deveria ser alguma coisa que é o meu oposto. Deveria ser o supremo mal, a dor, a escuridão e o tormento.Se criei o inferno, então não gosto de mim mesmo.Se criei o inferno, então com certeza não seria esperto de minha parte alertar as pessoas para esse fato. Como iria saber se as pessoas estariam clamando me amar por mim mesmo ou simplesmente para evitar punição? Como posso esperar que alguém me ame, se está com medo de mim em primeiro lugar? A ameaça de eterno tomento pode apavorar algumas pessoas e levá-las à obediência, mas isso em nada inspira amor. Se você me trata com ameaças e intimidações, eu teria que reconsiderar minha admiração pelo seu caráter.Como você se sentiria se tivesse trazido algumas crianças ao mundo, sabendo que elas seriam atormentadas eternamente num lugar que você construiu para elas? Como você poderia conviver com você mesmo sabendo disso? Ao invés disso, não teria sido melhor não tê-las trazido ao mundo?Sei que alguns de vocês pensam que o inferno é apenas uma metáfora. Vocês sentem a mesma coisa com relação ao céu?De qualquer modo, esse argumento de amor total está errado. Desde que sou perfeito, não sinto falta de nada. Não posso ser solitário. Não preciso ser amado. Nem mesmo quero ser amado, porque querer é sentir falta. Me submeter ao ato de dar e receber amor é admitir que posso ser atingido por aqueles que escolheram não me amar. Se você pode me atingir, não sou perfeito. Se não posso ser atingido, não posso amar. Se ignoro ou elimino aqueles que não me amam, mandando-os para o inferno ou para o esquecimento, então meu amor não é sincero. Se tudo que estou fazendo é jogar os dados do "livre arbítrio" e simplesmente colher a safra daqueles que escolheram me amar, então sou um monstro egoísta. Se você jogou esse tipo de jogo com pessoas vivas, eu chamaria você de insensível, vaidoso, inseguro, egoísta e manipulador.Sei que vocês têm tentado me deixar de fora disso. Explicam que o Verdadeiramente Seu não é responsável pelos sofrimentos dos descrentes, porque a rejeição a Deus é escolha deles e não minha. Eles têm uma natureza humana corrupta, você explica. Bem, quem deu a eles essa natureza humana? Se certos humanos decidem fazer coisas erradas, onde conseguiram esse impulso? Se você acha que veio de Satã, quem criou Satã? E por que alguns humanos seriam suscetíveis a Satã em primeiro lugar? Quem criou aquela suscetibilidade? Se Satã foi criado perfeito, e então caiu, de onde a falha da perdição veio? Se sou perfeito, então como, em nome de Deus, terminaria criando alguma coisa que não escolhesse a perfeição? Alguém uma vez falou que uma árvore boa não pode dar frutos ruins.Aqui está um título para seu próximo assunto teológico: "Eva foi perfeita?" Se ela foi, não deveria ter comido o fruto. Se não foi, eu criei imperfeições.Talvez você pense que tudo isso me dá um propósito, mas isso na verdade me dá dor de cabeça. (Se você não me permite uma simples dor de cabeça, então como pode me permitir a dor da perda do amor?) Eu não conseguiria viver comigo mesmo se soubesse que minhas ações estavam causando sofrimento aos outros. Bem, eu não deveria dizer isso. Uma vez que penso que você me criou, suponho que deva deixar você me dizer como que eu poderia viver. Se você pensa que é consistente com meu caráter tolerar amor e vingança simultaneamente, então não tenho escolha. Se você é meu criador, eu poderia jorrar ternura por um lado da minha boca e brutalidade pelo outro. Poderia dançar com minha amante sobre os ossos dos meus filhos errantes, e fingir gostar disso. Eu seria muito humano na verdade.Ainda tenho milhares de perguntas, mas espero que você me permita apenas mais uma: COMO EU DECIDO O QUE É CERTO E O QUE É ERRADO?Não sei como cheguei aqui, mas estou aqui. Vamos dizer que meu propósito é fazer das minhas criaturas, pessoas boas. Vamos dizer que estou ajudando você a ser perfeito como eu, e que a melhor maneira para isso é você agir exatamente como eu, ou como eu quero que você haja. Sua meta é tornar-se um pequeno espelho de mim mesmo. Não seria esplêndido? Darei a você regras e princípios, e você tentará segui-los. Isso pode ser ou não ser significativo, mas nos manterá ocupados. Suponho que de seu ponto-de-vista isso seria incrivelmente significativo, uma vez que você pensa que tenho o poder de recompensar e punir.Sei que alguns teólogos protestantes pensam que dou recompensas, não por boas ações, mas simplesmente por acreditarem em meu filho, Jesus, que pagou as punições por suas más ações. Bem, Jesus passou somente trinta e seis horas da sua vida eterna no inferno, e agora está de volta aqui, definitivamente junto comigo. Ele não teve liberdade condicional por bom comportamento. Foi simplesmente solto (Ele tinha contatos). Se meu julgamento justo exigia uma correta reparação, então Jesus deveria ter pago o preço completo, não acha?Além disso, é inteiramente incompreensível para mim o fato de você pensar que eu aceitaria o sangue de um indivíduo pelo crime de outro. Isso é justo? Isso é justiça? Se você comete um crime, a lei permite que seu irmão vá para a cadeia por você? Se alguém roubou seu lar, você pensaria que a justiça seria feita se um amigo lhe comprasse uma mobília nova? Você realmente pensa que sou um ditador sanguinário que ficaria contente com a morte de alguém pelo crime de outro? Você é tão desrespeitador da justiça que alegremente aceitaria um custo por seus crimes? O que me diz de responsabilidade pessoal? É desagradável abrir meus braços para dar as boas vindas, no céu, àqueles que evitaram punições por suas próprias ações. Alguma coisa aqui está fora da ordem.Mas ignoremos essas objeções. Vamos admitir que Jesus e eu trabalhamos da maneira correta e que o mau será punido e o bem recompensado. Como vou saber a diferença? Você está insistindo que eu não consulte nenhum livro de regras. Você está pedindo que eu seja a Autoridade Final. Devo simplesmente decidir, e você deve confiar na minha decisão. Sou livre para decidir seja lá o que quiser?Suponhamos que decida que gostaria de me honrar com um dia só meu. Gosto do número sete, não sei porque. Talvez porque é o primeiro número sem utilidade (você nunca fez um hino para mim no compasso 7/4). Vamos dividir o calendário em grupos de sete dias e chamá-los de semanas. Por questão de harmonia, dividirei cada fase lunar em sete dias. O último dia da semana – ou talvez o primeiro dia, eu não ligo – dedico a mim mesmo. Vamos chamá-lo de Sábado. Isso tudo parece bom. Suponho que é a coisa certa de fazer. Farei uma lei ordenando que você observe o Sábado, e se você fizer isso eu o declararei uma pessoa boa. De fato, tornarei a lei do Sábado como um dos meu Grandes Dez Mandamentos, e ordenarei sua execução se você desobedecer. Isso tudo tem sentido, não sei bem porque.Ajude-me então. Como poderei escolher o que é moral? Desde que não posso consultar nenhuma autoridade, a coisa a fazer, parece, é escolher aleatoriamente. As coisas se tornarão certas ou erradas simplesmente porque declaro que elas sejam assim. Se caprichosamente digo que você não deve fazer imagens ou esculturas de "qualquer coisa que esteja debaixo do céu, ou que está lá embaixo na Terra, ou que está na água sobre a Terra", então tem que ser assim. Se decidir que assassinato é correto e compaixão é errado, você terá que aceitar isso.Isso é tudo que existe sobre o assunto? Apenas decido, quer queira, quer não, o que é certo e o que é errado? Ou pior, decido baseado no que me faz sentir bem? Li em algum dos seus livros que você denuncia essas atitudes auto-centradas.Alguns de vocês dizem que desde que sou perfeito, não posso cometer erros. Tudo que escolher para ser certo ou errado, estará de acordo com a minha natureza, e desde que sou perfeito, então minhas escolhas serão perfeitas. Em qualquer evento, minhas escolhas certamente serão melhores do que as suas, você acha. Mas o que significa "perfeito"? Se minha natureza é perfeita (seja lá o que isso signifique), então estou vivendo num padrão. Se estou vivendo num padrão, então não sou Deus. Se perfeição significa alguma coisa por si mesma, aparte de mim, então sou obrigado a seguir seus passos. Se, por outro lado, perfeição é definida simplesmente de conformidade com minha natureza, então isso não significa nada. Minha natureza pode ser o que ela quiser, e perfeição será definida de acordo com isso. Você vê o problema que temos aqui? Se "perfeição" é igual a "Deus", então é só um sinônimo de mim mesmo, e podemos deixar de lado qualquer das duas palavras. Podemos deixar de lado qualquer palavra. Faça sua escolha.Se sou perfeito, então há certas coisas que não posso fazer. Se não sou livre para sentir inveja, cobiça ou malícia, por exemplo, então não sou onipotente. Não posso ser mais poderoso do que você, se você pode sentir e fazer coisas que eu não posso.Ainda mais, se você sente que Deus é perfeito, pela sua própria natureza, o que "natureza" significa? A palavra é usada para descrever a maneira como as coisas são ou agem naturalmente, e desde que você pensa que eu estou acima da natureza, deve querer dizer alguma coisa mais, alguma coisa como "caráter" ou "atributos". Ter uma natureza ou um caráter significa ser de um jeito ou de outro. Significa que existem limites. Por que sou de um jeito e não de outro? Como vou saber que minha natureza seria o que é? Se minha natureza está claramente definida, então sou limitado. Não sou Deus. Se minha natureza tem limites, como alguns de vocês sugerem, então não tenho natureza de maneira nenhuma, e dizer que Deus tem tal e tal natureza não faz sentido. De fato, se não tenho limites, então não tenho identidade. Se não tenho identidade, então não existo.Quem sou eu?Isso me trás de volta para uma enigma: se não sei quem sou, então como posso decidir o que é certo? Devo forçar a barra até conseguir descobrir alguma coisa?Há um procedimento que eu poderia adotar, e alguns de vocês têm sugerido isso pessoalmente. Poderia basear meus pronunciamentos no que é melhor para vocês humanos. Vocês, pessoas, têm corpos físicos que movem-se, aos trancos, por toda parte, no mundo físico. Poderia determinar as ações que são saudáveis e benéficas para seres materiais, num ambiente material. Poderia fazer da moralidade alguma coisa material. Algo que seja relativo à vida humana, e não aos meus caprichos. Poderia declarar (por conclusão, não por decreto) que ofender a vida humana é ruim, e que ajudar a melhorá-la é bom. Seria como fornecer um manual de operações para algo que projetei e manufaturei. Exigiria de mim saber tudo sobre a natureza humana e o ambiente no qual vocês humanos vivem, e comunicar essas idéias a vocês.Isso faz muito sentido, mas muda minha tarefa de "determinador da moralidade" para outra de "comunicador da moralidade". Se moralidade é descoberta na natureza, então você não precisa de mim, exceto talvez para estimulá-lo. Vi que vocês têm mentes capazes, com a habilidade de raciocinar e fazer ciência. Não há nada misterioso sobre estudar como os humanos interagem com a natureza e como interagem uns com os outros, e você deve ser capaz de inventar seu próprio conjunto de regras. Alguns de vocês fizeram isso, milênios antes de Moisés. Mesmo se suas regras contradissessem as minhas, eu não poderia clamar por nenhuma autoridade maior que você. Pelo menos você seria capaz de dar razões para suas regras, as quais eu somente posso fazer, submetendo-me à ciência de vocês.Se moralidade é definida por "como os seres humanos existem na natureza", então você não precisa de mim absolutamente. Estou fora dessa. Pelo que tenho lido, muitos de vocês têm os pés no chão, sem nenhuma ajuda da minha parte. Eu poderia manufaturar algumas tábuas de pedra, contendo o que penso que é certo ou errado, mas ainda caberia a você ver se isso funcionaria no mundo real. Penso que nós todos concordamos que a razão alicerçada é melhor do que os caprichos de uma deidade desequilibrada.Isto é um maravilhoso caminho, mas o que me incomoda é que, enquanto isso pode ajudar você a saber o que é moral em seu ambiente, a mim não ajuda muito. Eu não tenho um ambiente. Estou aqui fora, agitado pela brisa. Eu invejo você.Nem o caminho humanístico ajuda àqueles de vocês que querem que a moralidade seja enraizada em alguma coisa absoluta, fora de nós mesmos. Deve ser apavorante para você precisar de uma âncora e descobrir que não há nenhum fundo no oceano. Bem, isso é apavorante para mim também. Eu não tenho uma âncora para mim mesmo. É por isso que estou lhe pedindo ajuda.Obrigado a você por ler minha carta, e por me deixar ocupar uma parte do seu precioso tempo. Por favor responda, se achar conveniente.Tenho todo o tempo do mundo.Sinceramente,O Verdadeiramente Seu

Dan Barker (Livre Pensador e ex-pastor protestante)

Nenhum comentário: